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Desvio de Função: o que é e quais as implicações legais?

Você já teve um colega de trabalho que foi contratado para exercer determinada função, mas sempre o viu fazendo outras atividades? Saiba que essa falta de gestão correta de uma empresa pode ser mais comum do que parece, sendo denominado como desvio de função na área trabalhista.

Vamos conhecer um pouco mais sobre isso.

O que é desvio de função?

O desvio de função configura-se quando o empregado exerce atividades diferentes daquelas que estão descritas e especificadas em seu contrato de trabalho.

Essas atividades são classificadas como ilegais de acordo com o que prevê a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por essa razão, o empregado poderá pleitear na Justiça a condenação da empresa ao pagamento das diferenças salariais de todo o período comprovado pelo exercício de função diferente.

Há um desequilíbrio na relação contratual, já que, de um lado, o trabalhador exerce uma atividade distinta, por vezes de complexidade mais elevada; de outro lado, o empregador tem a vantagem de pagar menos por isso.  

E para que a atividade exercida no cargo diferente seja enquadrada como desvio de função, é necessária a reiteração dessa conduta, ou seja, ser habitual, e o cargo ser de uma complexidade maior, como dito, para que se justifique a necessidade de receber a diferença salarial.

Portanto, quando se pretende admitir um colaborador para atuar em determinada área na empresa, todas as informações sobre as funções que serão exercidas devem ser passadas de forma bem clara ao contratado, inclusive tudo deve constar no contrato de trabalho e na CTPS para evitar o desvio de função.

Diferença entre desvio de função e acúmulo de função

No desvio de função, o colaborador deixa de exercer a atividade para a qual foi contratado originalmente. Já no acúmulo de funções, ele exerce a função original e mais algumas.

Por exemplo, no desvio de função, o empregado foi contratado para ser auxiliar de enfermagem, mas acaba realizando as funções de um técnico de enfermagem, que possui qualificação mais elevada e atividades diferenciadas.

Já no acúmulo de função, ele continua exercendo a função de auxiliar, contudo, acrescem-se às suas atividades também outras, fazendo jus a um aumento na sua remuneração por essas atividades que também realiza além daquela contratualmente prevista.

Embora não haja um valor específico na CLT, a Lei nº 6.615/78 é utilizada como parâmetro, utilizando-se o percentual de 10% a 40% previsto nessa lei como determinante para o adicional no salário por acúmulo de função.

Nesse sentido, podemos concluir que no acúmulo de função não há uma transferência de funções, mas sim um acúmulo, como o próprio nome diz, em relação ao que o empregado faz na empresa.

A legislação diante o desvio de função

Embora o conceito de desvio de função não esteja expresso na legislação trabalhista, o art. 468 da CLT é utilizado pelos juízes para fundamentar o desvio de função, tendo em vista que a norma preceitua que somente são lícitas as alterações das condições de trabalho por mútuo consentimento.

Desse modo, quando o empregado determina de forma unilateral que o empregado exerça outras atividades na empresa, mas não altera o contrato de trabalho, então ele está agindo de forma ilícita.

Delimitar e ordenar as atividades de cada funcionário está na esfera do poder diretivo do empregador, resguardado pelo artigo 2º da CLT. Todavia, esse poder não é irrestrito e existem consequências jurídicas por atribuir funções diversas do contratado ao colaborador, como a indenização por desvio de função.

É bem comum, inclusive, que os empregados não discutam com o empregador sobre essas atividades que deverão cumprir sem alteração contratual para não serem dispensados do emprego, sendo evidente que não há o mútuo consentimento nestes casos.

E para que o empregado tenha direito à diferença salarial em relação ao desvio de função, pode-se utilizar o artigo 483 da CLT, no qual demonstra ser cabível indenização ao empregado quando forem exigidos, entre outros, serviços alheios ao contrato.

Contudo, a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 prevê que, diante de um desvio de função, o empregado terá direito às diferenças salariais referentes à função que foi desviada, mas ele não deverá ser reenquadrado ao cargo maior, já que, de todo modo, não possui qualificação técnica necessária para exercê-la.

No nosso exemplo anterior, o empregado era auxiliar de enfermagem e acabava desempenhando as funções de um técnico de enfermagem. Ele não terá direito a ser enquadrado como um técnico, já que não possui a qualificação escolar para tanto, como um certificado de curso técnico de enfermagem, mas ainda assim receberá a indenização por ter trabalhado como um.

O desvio de função também tem por objetivo evitar o enriquecimento ilícito do empregador, pois se um empregado exerce uma função sem ter a qualificação técnica necessária e recebe um salário menor, então o empregador está deixando de contratar um funcionário que deveria ter uma remuneração proporcional às suas atividades.

Essa atitude é vedada pela legislação e está prevista no artigo 884 do Código Civil, devendo, portanto, restituir ao empregado aquilo que deu causa ao enriquecimento.

Mas ainda há uma alternativa para o empregado que se vê nessa situação. Ele poderá sair do emprego e procurar a Justiça do Trabalho com o pedido de rescisão indireta.

Nessa modalidade de rescisão, é o empregador quem comete uma falta grave, justificando a ruptura do contrato de trabalho pelo empregado. Nesse sentido, o empregado terá direito a todas as verbas rescisórias de como se fosse dispensado sem justa causa e, claro, também à indenização por desvio de função.

Assim, o empregado terá as seguintes verbas rescisórias:

·         Aviso prévio.

·         Saldo de salários.

·         Férias vencidas (caso tenha) e proporcionais, mais 1/3.

·         13º salário.

·         Indenização de 40% sobre o FGTS e o respectivo saque.

·         Guia de seguro-desemprego.

Como fazer a comprovação do desvio de função?

Quem deverá comprovar o desvio de função será o empregado e não o empregador, pois de acordo com o art. 818 da CLT caberá ao empregado (reclamante na ação judicial) provar o fato constitutivo de seu direito, embora caiba ao empregador fazer a prova do contrário.

Assim, quando o empregado ajuizar a ação trabalhista, ele quem deverá demonstrar que exercia atividades diferentes para qual foi contratado.

O empregado poderá utilizar documentos que comprovem essa atividade, troca de mensagens e e-mails demonstrando que o empregador determinou que o empregado exercesse as atividades.

Ainda, poderá o empregado levar testemunhas no dia da audiência para provar que trabalhavam juntos com o empregado e o viam desempenhar atividades diferentes de seu cargo original.

Se a empresa tiver um plano de cargos e carreira, que com o advento da Reforma Trabalhista não precisa mais ser homologado para ter validade, então fica mais fácil de o empregado comprovar que estava em uma função maior e foi preterido à promoção de cargo, como explica a Súmula 127 do TST.

Nesse cenário, tem bastante relevância o princípio da primazia da realidade, que possui o objetivo de dar ênfase à realidade vivenciada pelo trabalhador no âmbito da sua prestação de serviço em detrimento a documentos que comprovem os fatos.

Qual o valor da multa sobre o desvio de função?

Caso fique caracterizado o desvio de função, o empregador será multado pela Justiça Trabalhista a pagar ao empregado o valor correspondente ao salário do cargo que era diferente daquele que foi originalmente pactuado.

Inclusive, o valor dessa diferença salarial refletirá nas demais verbas rescisórias referente ao período em que ocorreu o desvio funcional.

Se um empregado, por exemplo, foi contratado para exercer a função de auxiliar de pedreiro/obra com um salário de R$1.200 por mês, mas acabou exercendo por 1 ano as atividades do cargo de pedreiro em si, que tinha um salário de R$1.800 mensais, então ele receberá a diferença de 600 reais pelo período que trabalhou como pedreiro. 

·         Cargo original: R$1.200

·         Cargo em desvio de função: R$1.800

·         Diferença mensal entre os cargos: R$600,00

·         Período: 12 meses

·         Indenização por desvio de função: R$600 x 12 meses = R$7.200

O valor da indenização por desvio de função incidirá no cálculo das verbas rescisórias, como férias e 13º salário proporcionais e FGTS.

Em quais casos a troca de função é legal?

Para se configurar a atividade como desvio de função, é preciso que o empregado exerça o cargo diferente de forma reiterada. Assim, se o empregador pedir que o empregado substitua outro funcionário por um pequeno período de tempo ou mesmo de forma emergencial, não será um desvio de função.

Por exemplo, a pessoa foi contratada como vendedora, mas em um determinado dia o empregado que exercia a função de caixa precisou se ausentar por estar doente.

Não é justo que o empregador fique sem ninguém para exercer aquela função de caixa e tenha que contratar outro funcionário para essa situação emergencial, não é mesmo?

Por essa razão, trocar a função do empregado que é vendedor para caixa em um momento bem específico e delimitado não será desvio de função. Lembrando que caso o colaborador exerça naquele momento a atividade de vendedor e caixa ao mesmo tempo, então teremos o acúmulo de função e o empregado terá direito a uma adicional no salário.

Além disso, se o empregador desejar trocar o empregado de função, basta que ambos acordem mutuamente nessa mudança e o empregador faça as alterações no contrato e na carteira de trabalho do colaborador.

Toda mudança de trabalho que é aceita pelo empregado e não há prejuízos, como um aumento demasiado na carga horária de trabalho e a diminuição salarial, é bem-vinda.

A gestão de recursos humanos da empresa é primordial nesses momentos, na qual será analisada a necessidade de se contratar outro empregado ou promover os empregados já existentes naquela empresa com base na antiguidade e merecimentos destes.

Desvio de função para funcionários terceirizados

A Lei nº 13.429/2017 que trata da prestação de serviços a terceiros, os chamados terceirizados, também proíbe o desvio de função nesses contratos.

A terceirização é aquela que uma empresa tomadora de serviços contrata uma empresa prestadora de serviços, chamada também de intermediária, que possui um empregador para prestar serviços específicos e delimitados à tomadora.

Assim, o funcionário que prestará o serviço não possui vínculos com a empresa tomadora de serviços, mas, tão somente, com a empresa que é a terceirizada. A empresa prestadora de serviços é quem remunera e dirige o trabalho do trabalhador.

Por isso, o artigo 5º-A, §1º da Lei nº 6.019/74, que foi incluído pela Lei nº 13.429/2017, veda à empresa contratante a utilização de trabalhadores em atividades distintas daquelas contratadas com a empresa prestadora de serviço.

Se a empresa tomadora de serviços desejar mudar a função daquele funcionário terceirizado, deverá se reportar à empresa intermediária para que ela faça as devidas alterações no contrato de trabalho do funcionário terceirizado e evite futuros transtornos judiciais.

Conclusão

A mudança de função de um colaborador de forma unilateral e prejudicial pode ser um grande risco às empresas, já que podem ter ações trabalhistas ajuizadas nas quais os empregados podem requerer as diferenças salariais durante todo o período trabalhado.

Desse modo, a assistência de um advogado especialista na seara trabalhista é uma aliada quando tratamos de desvio de função, tanto para auxiliar os empregados a terem seus direitos garantidos, como para orientar as empresas na mudança de função de seus empregados de forma regular.

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