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A adoção do teletrabalho na fase emergencial do Estado de São Paulo

Mesmo após um ano da pandemia causada pelo coronavírus, o Brasil vive uma 2ª onda que demonstra alcance e prejuízos ainda maiores, alcançando recorde no número de mortes, uma acentuada curva de contágio e lotação de leitos clínicos e de UTI.

Em razão disso, o Governo do Estado de São Paulo decretou em 12 de março de 2021 uma nova fase emergencial1, com vigência entre 15 e 30 de maçro, o qual, dentre outras medidas, estipula a vedação do desempenho de atividades administrativas internas de modo presencial em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços não essenciais, recomendando, em nota técnica, a adoção do teletrabalho para esses segmentos.

É importante frisar que, muito embora o decreto tenha sido em um sentido técnico de apenas recomendar o teletrabalho, a apresentação realizada pelo governador do Estado, João Dória, e seus secretários, assim como matéria no site do Governo do Estado2, demonstraram a imposição da adoção do teletrabalho, o que, se estivesse reproduzido no Decreto, seria uma afronta cristalina à competência privativa da União para legislar sobre matérias de Direito do Trabalho. Nesta apresentação foi demonstrado que 1.729.986 pessoas estariam abrangidas pela orientação da adoção do regime de teletrabalho3.

É importante lembrar que a reforma trabalhista, lei 13.467/17, trouxe a regulamentação do teletrabalho no Brasil, não obstante doutrina e jurisprudência já considerassem tal forma de trabalho no país, incluindo os artigos 75-A a 75-E na CLT.

Ganha destaque, na presente análise, as disposições contidas no artigo 75-C da CLT, o qual prevê a obrigatoriedade do registro expresso da modalidade de teletrabalho em contrato, assim como a previsão que a migração do trabalho físico para o teletrabalho ocorra mediante mútuo acordo entre empregado e empregador, concedendo o poder diretivo ao empregador para determinar o retorno do teletrabalho ao presencial, devendo apenas observar o prazo de 15 dias em tal transição.

A adoção do teletrabalho como meio de combate à disseminação do coronavírus não é assunto novo, pois ao longo do ano de 2020 diversas medidas mais restritivas foram adotadas, no sentido de restringir a locomoção de pessoas, inclusive com fechamento de fronteiras e toques de recolher, e, principalmente, obstáculos à realização de atividades laborativas não essenciais fora de suas residências.

Aquele momento já exigiu das autoridades soluções, uma vez que, excetuadas as atividades consideradas essenciais, o efeito da pandemia atingiu os setores de produção, prestação de serviços, comercialização, distribuição, arrendamento e serviços públicos em geral, impactando de sobremaneira suas receitas, fulminando seus lucros, prejudicando o cumprimento de obrigações e contratos, culminando na diminuição das oportunidades de trabalho4.

Diversas normas então foram editadas, desde o decreto-legislativo 6, que reconheceu o estado de calamidade pública, a lei 13.979/20, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, sendo esta a legislação que positivou o isolamento social, entre outras; sendo uma das mais importantes, a MP 927, em 22 de março de 2020.

Ganhou destaque, em tal MP, o instituto do teletrabalho, colocado como a primeira medida a ser adotada pelos empregadores como forma de garantir a permanência do vínculo empregatício, salvar os postos de trabalho5.

Como forma de corroborar tal importância, o próprio MPT, por meio da nota técnica 6, demonstrou o seu posicionamento e orientação para que o teletrabalho fosse priorizado, seja como forma de controle à disseminação do vírus, mas também para que houvesse, a partir da adoção deste modelo, preservação dos postos de trabalho.6

Neste contexto, a MP 927/20 previu a possibilidade de tal migração ser determinada pelo empregador, unilateralmente, seja do trabalho presencial ao teletrabalho, ou o contrário, ainda que houvesse norma coletiva ou individual dispondo em sentido diverso. Com o objetivo de manter empregos, tal medida extrema foi adotada em diversos países, como no caso de Portugal7.

Foi dispensado, ainda, a necessidade do registro prévio de tal migração no contrato do empregado, desde que cumprida a notificação ao laborista, de tal alteração, com o mínimo de 48 horas de antecedência.

Concedeu-se, outrossim, prazo de 30 dias para que empregado e empregador estabelecessem contrato escrito acerca das regras referentes aos encargos provenientes da adoção do teletrabalho, retratando a importância do contrato escrito, bem como enaltecendo a problemática acerca da responsabilidade de tais obrigações.

Porém a MP caducou em 19 de julho de 2020, razão pela qual as medidas nela previstas apenas possuem validade para as alterações contratuais realizadas durante a sua vigência, ou seja, a sobreposição das normas de crise sobre a CLT, trazidas pela MP 927/20, não mais subsistem.

Com efeito, hoje está vigente a necessidade de um contrato expresso dispondo sobre teletrabalho, o qual somente pode ser adotado mediante mútuo acordo entre empregado e empregador.

A implementação da tecnologia costumeiramente produz uma forte controvérsia mundial, de um lado os aspectos positivos, como corolário do incentivo ao desenvolvimento, voltando consequências positivas não só às corporações, mas também aos empregados no desenvolvimento de suas atividades; enquanto, de outro lado, os aspectos negativos, ressaltando-se déficit de empregabilidade, insegurança jurídica e precarização do trabalho.

Como não poderia ser diferente, até mesmo pela ligação umbilical ao desenvolvimento tecnológico e sua implantação, está o teletrabalho, passível de vantagens e desvantagens, além de complexos questionamentos e aspectos.

Sandro Nahmias e Karen Rosendo8 ressaltam que a adoção do teletrabalho importa em geração de empregos, inclusão de deficientes físicos, reduz custo dos empregadores, dá agilidade e aumenta a produtividade, assim como aos empregados representa maior disponibilidade às atividades familiares, reduzindo gastos com transporte e seu tempo de deslocamento.

Porém, Jouberto Cavalcante e Francisco Jorge Neto9 apresentam outros cenários, em que o teletrabalho representaria um perigo à segurança de informações e dados, pode implicar em redução de direitos trabalhistas, uma confusão de despesas pessoais do empregado com os custos da realização do trabalho, problemas de meio ambiente de trabalho inadequado, tudo isso sem esquecer que o teletrabalho importa em não submissão à duração do trabalho, podendo importar em violar o direito à desconexão.

Muito embora exista esse conflito de posicionamentos, durante a pandemia foi possível notar uma convergência de interesses, no sentido de preservação da saúde, assimilando, ainda que transitoriamente, eventuais prejuízos decorrentes do telelabor.

A orientação (imposição) do Governo do Estado de São Paulo para a adoção de teletrabalho por quase um milhão e oitocentos mil empregados, a partir de 15 de março de 2021, representa, sem dúvidas, uma insegurança jurídica aos empregadores, na medida em que os mesmos dependerão de um acordo com os empregados, o que pode vir a não ser fácil, na medida que tal forma de trabalho possui dilemas benéficos e maléficos.

No entanto, parece ser razoável aos operadores do Direito utilizarem a MP 927/20 como supedâneo analógico para o momento, na medida em que, embora tenha caducado, esta foi uma legislação de crise na 1ª onda da pandemia que foi útil à adoção do teletrabalho, principalmente diante das normas discricionárias dos Estados e Municípios, que tomam decisões dinâmicas de acordo com a propagação do vírus.

https://www.migalhas.com.br/depeso/341884/a-adocao-do-teletrabalho-na-fase-emergencial-do-estado-de-sao-paulo

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